segunda-feira, 27 de junho de 2011

"Elogio da Loucura"





Um dos livros mais brilhantes da história da literatura foi escrito por Desidério Erasmo, humanista holandês, no curto espaço de sete dias, durante uma visita a sua amigo Sir Thomas More, na Inglaterra.  Erasmo dominou o ambiente intelectual de sua época; de toda sua volumosa obra, porém, apenas o Elogio da Loucura escapou à obscuridade e ao esquecimento. 
Ele mesmo demonstra tom satírico ao explicar o motivo que o levou a 
escrever o livro:
"Já que a raça humana insiste em ser completamente louca - já que todas as pessoas, do Papa ao mais humilde pároco da aldeia - do mais rico dos homens ao mais miserável dos mendigos - da honrada dama em suas sedas e cetins à mulher vulgar em seu vestido de chita - já que todos se decidiram firmemente a não usar o cérebro que Deus lhes deu, mas insistem em se deixar guiar inteiramente pela ambição, vaidade, ignorância, porque, em nome de uma divindade racional, deveriam as poucas pessoas realmente inteligentes perder seu tempo e esforço, tentando mudar o gênero humano, transformando-o em algo que ele jamais desejou ser? Deixêmo-lo viver feliz em suas loucuras. Não o privemos daquilo que, lhe dá maior prazer - seu infinito poder de se tornar ridículo." 



Foi muito bom "degustar" e "digerir" esta obra, pelo principal motivo, que é o de entender qual é o mecanismo que dispara o gatilho de tantas atitudes inexplicáveis do ser humano, não falo de uma casta especial de seres humanos, mas sim de todos nós seres humanos, cada qual com sua pequena porção de loucura...


Eis alguns trechos marcantes da leitura:


"As pessoas admiram com prazer maior o que menos compreendem, pois a sua vaidade está nisso interessada. Assim riem, aplaudem, abanam as orelhas como burros, para mostrarem deste modo que compreenderam perfeitamente." 
"A amizade: o pai cujo filho tem os olhos vesgos e afirma que o filho possui um lindo olhar, não constituirá isto tudo a mais pura loucura?"

"Como veríamos realizarem-se tão poucos casamentos se o noivo se informasse das loucuras que a sua noiva, tão modesta e recatada, praticou antes do casamento! E, mais tarde, que a união se poderia manter, se a conduta de muitas mulheres não fosse ignorada pela negligência e estupidez dos maridos. Tudo isto se atribui à Loucura."

"Toda a gente vê no rei um homem opulento e poderoso. Porém, se não possuir nenhuma qualidade espiritual, nada lhe pertence, é mesmo infinitamente pobre, e, se está sujeito ao domínio dos vícios, é apenas o mais vil dos escravos. Se os atores estão em cena desempenhando o seu papel e um deles tenta arrancar as máscaras para mostrar ao público a sua verdadeira face, conseguirá apenas perturbar toda a representação e deveria ser expulso do teatro como louco. Pois a donzela da peça surgiria aos vossos olhos como um homem; o jovem transformar-se-ia num velho; o rei num escravo e o deus num miserável humano. Destruída toda a ilusão, a obra destrói-se. Era o travesti e o disfarce que atraíam o espectador. O mesmo acontece na vida, que não passa duma comédia, em que cada qual representa o seu papel, conforme a máscara que usa, até que o contra-regra o faz sair de cena. Este, de resto, confia ao mesmo ator
papéis muito diversos, de modo que aquele que antes se revestia da púrpura de um rei reaparece agora sob os andrajos de um escravo. Por todo o lado só existe o disfarce, e a comédia da vida representa-se do mesmo modo."

"Velhas revelhas, cadáveres ambulantes, que parecem ter vindo do inferno,
a repetir constantemente: A vida é bela! São mulheres quentes que farejam
o bode, como dizem os gregos. Seduzem por algumas moedas um jovem
qualquer, pintam-se incessantemente, estão sempre a olhar-se ao espelho,
depilam-se nas partes mais secretas, estendem as mamas flácidas,
solicitam o desejo dos seus amantes com gritinhos trêmulos, querem beber
e dançar no meio das jovens e escrever cartas de amor. Todas as troçam e
as chamam de arquiloucas. Entretanto, elas estão satisfeitas consigo
próprias, nadam num mar de delícias, saboreiam todas as doçuras e são
felizes. E só a Loucura permite isso." 










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