quarta-feira, 15 de junho de 2011

Gaia e as Pedras

 Ela era feliz e tinha consciência disso. Naquele tempo Gaia tinha plena consciência de seu estado de espírito. Era um sentimento de realização sem motivo aparente e pelo qual Gaia não lutara bravamente; o alcançara quase que por acaso, na luta diária de vencer os males do mundo pelo bem, num cenário quotidiano quase que banal.
Mulher que, quando muito jovem saíra da casa dos pais com pouca bagagem e muitos sonhos. Havia chegado muito além de quanto pudesse imaginar. Havia feito muitas viagens, sim, todas a lugares próximos ao seu eixo, mas uma a uma, estas viagens foram forjando seu espírito, reforçando suas asas para um vôo maior, que sabia que um dia, inevitavelmente aconteceria, só não sabia de que forma.
Ia pelo mundo assim, em busca de algo, não sabia bem o que buscava, mas sabia que algo a chamava. Gaia sabia pertencer a algum mundo que não era este que conhecia, sabia que dentro de si uma estranha força pulsava e crescia, com sede de aflorar quando chegasse a hora.
E quando essa hora chegou o  destino a levou para bem longe, além do vasto Oceano, por onde passaram nossos ancestrais, vencendo  os terrores dos abismos e suas lendárias criaturas, as incertezas, o medo da morte, o escorbuto; com a mesma sede de conhecer e sentir tudo que o mundo nos oculta quando criamos raízes.
Então Gaia alçou aquele vôo que ela havia imaginado tantas vezes e repassado na memória do que ainda não foi, mas que é familiar àqueles que sonham. E pode ver o mundo de cima de uma falésia e respirar o ar doce e quente que chegava da África e se deleitar com isso. A visão era magnífica, e já ali, Gaia sabia que sua vida tinha valido a pena; mas não tinha entendido que a lição mais importante de sua vida ainda estava por vir. A lição de que nunca deixamos de aprender algo, dia após dia, até o último dia de nossa vida, e que as oportunidades são únicas e uma vez desprezadas, passam a fazer parte de um estranho depósito em nossa alma, como objetos inúteis, ou desprezados, entulhados no sótão.
Foi então que caminhando um pouco mais, Gaia conheceu a mudança de cores das florestas no outono das altas latitudes, conheceu o gelo que parecia interminável dos longos invernos, conheceu o cheiro da neve, e entendeu o quanto é valioso o calor de um raio de sol esquentando a pele. Ela era incansável em sua busca, e quanto mais caminhava, mais queria conhecer, e foi então que começou a aprender a lição que a vida queria lhe ensinar. Por suas andanças, começou a perceber que apesar de toda a beleza do mundo, tinha algo que mais a intrigava com seu mistério... As pessoas... Começou a descobrir e se descobrir nas pessoas dos lugares por onde passava. Entendeu que as dores e os amores são sempre iguais, que choramos as nossas feridas igualmente em qualquer língua e que as pessoas que o destino trazia para junto dela eram tesouros que ela queria descobrir, e bastava prestar um pouco mais de atenção. Passou a decifrar olhares e gestos, a perceber o quanto as pessoas guardavam e derramavam alegrias, tristezas, mágoa, esperança, compreendeu seus apegos e inseguranças.
Viu que as crianças são feitas de pura inteligência emotiva e confiança na vida...que os homens são meninos que cresceram muito e muito rápido...que as mulheres são pessoas que sonham com um mundo melhor e que aqueles  já avançados no percurso da vida são pessoas maravilhosas com suas experiências e generosas em compartilha-las conosco. E a única semelhança entre todos os que conheceu? O único ponto em comum ...todos queriam ser amados e aceitos.
 Gaia cada vez mais enriquecia sua bagagem com lembranças de lugares, mas trazia sempre consigo muitos rostos, nomes e sentimentos, que guardaria para sempre no cofre de seu coração, da mesma forma que guardava as pedras de suas viagens, com carinho ... seixos arredondados pelas águas, pedras trincadas, cristais, rochas pálidas, polidas ou negras, todas pedras colhidas no seio da terra.

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